terça-feira, 14 de outubro de 2008

A leitura nossa de cada.

Quando eu era criança, gostava de soltar pipa, de carrinho de rolimã, de iô-iô, de álbum de figurinhas. Gostava de subir em árvores para roubar goiaba do vizinho. De uma coisa eu não me lembro de ter gostado: De ler livros. Gostava muito de gibis, principalmente da Turma da Mônica, mas nunca me interessei pelos livros quando pequeno. Odiava ser obrigado a ler um determinado livro para uma determinada prova. Português era minha matéria mais odiada, embora a professora fosse muito legal. Cresci e vi o quão importante a leitura se tornou para a minha vida. Hoje posso afirmar com certeza que ler é meu hobbie preferido. Sinto falta de ler e todas as noites, mesmo com muito sono, ainda pego um livro para ler algumas poucas páginas até que meus olhos se dão por vencidos.

Esses dias estava conversando com um colega de trabalho, o qual comentava de um amigo seu que morava na Califórnia. Esse amigo tinha uma filha de seis anos, nascida lá nos Estados Unidos que cursava uma escola local. Existia uma biblioteca nessa escola que a cada livro lido o aluno ganhava o direito de fazer uma prova num dos cinco terminais de computador presentes em cada uma das salas de aula. Nesta prova, se o aluno acertasse 80% das perguntas sobre o livro que leu, ele acumulava um determinado número de pontos, que variava de acordo com a nota. de 80% a 100% de acertos. Esse número de pontos acumulados dava o direito a um broche, que os alunos pregavam em suas mochilas e isso lhes davam um certo “status” entre seus amiguinhos. A filha do amigo do meu colega estava lendo muito para tentar alcançar um outro broche com um nível superior ao que ela já possuía. Em um ano a menina leu mais de cem livros. Uma menina de seis anos, vale lembrar.

Pergunto-me por que será que aqui no Brasil as escolas, tanto particulares quanto públicas, não aplicam um determinado estímulo para a leitura. Imagino que o custo de um broche e um sistema com perguntas e respostas para o aluno não deve ser algo tão caro assim. É evidente que sem estímulo, não haverá leitura. Eu roubava goiaba pelo desafio, assim como soltava pipas pela diversão e competição. Gerava em mim um objetivo claro e uma recompensa, como a pipa cortada, a corrida de rolimã ganha, o iô-iô mais legal. A leitura me recompensava com o quê naquela época? Nada. Não havia sentido para aquilo.

Segundo o livro Freakonomics, de Steven Levitt, uma pessoa só faz determinada coisa se tiver o estímulo certo, se for incentivada a tal ato. Funcionamos através de incentivos. Dê o incentivo certo e conseguirá qualquer coisa, é o que diz o ditado popular. Bem, não querendo generalizar a esse ponto, mas o incentivo à leitura deve ser algo divertido para a criança. Não só na escola, mas em casa os pais também devem criar uma maneira de incentivar seus filhos a lerem, e se seus filhos já lêem com frequência, que os pais criem um estímulo para eles lerem mais. Não deve ser só a recompensa bruta como pagamento, seja em brinquedos ou dinheiro, pois aí teríamos pequenos mercenários e não leitores por opção. A leitura deveria ser algo divertido de se fazer, competitivo e, é claro, com uma recompensa no final, pois criança também quer o seu pagamento.

A leitura faz muita falta nesse mundo com vagas de empregos abertas por falta de gente qualificada. Gente que não se interessa em estudar, porque estudar demanda ler. Isso vale para as demais matérias, onde a base é a leitura. Poderíamos criar esse incentivo com a idéia semelhante a do broche, que é algo fácil, barato e que consegue atingir o objetivo de manter o aluno lendo por diversão. Assim, em alguns anos poderíamos ter um Brasil menos agressivo, menos estúpido, menos covarde, mais competitivo, mais questionador, mais qualificado para enfrentar um mundo globalizado, cada vez mais restrito a profissionais superqualificados. Vamos vender essa idéia. O lucro certamente será repartido entre todos.

sábado, 4 de outubro de 2008

A Vaquinha Malhada

Malhada era uma vaquinha que vivia no interior. Seu sonho era um dia ir para a cidade, montar uma fábrica de leite onde teria seu negócio próprio. Não queria mais trabalhar para os outros, pois achava uma perda de tempo. Suas amigas, porém, se contentavam com aquela vida, e sempre escolhiam o ordenhador como funcionário do mês, embora só existisse um ordenhador para todo o sítio. Quando malhada expunha suas idéias para as amigas, era muito comum ouvir palavras desestimulantes, seguidas de um “para quê isso?” e muitas vezes com algumas frases “ela nunca está contente com nada”. Malhada estava contente, mas não realizada. Sentia que faltava algo a mais e sua vida ali não iria mudar. A eleição do ordenhador do mês já tinha dado o que falar. Ela sempre brigava com as amigas para que não escolhessem o Seu Zé como ordenhador, pois ele sempre machucava as vacas e não tinha o menor interesse em melhorar, fora os outros problemas que ele tinha. As amigas de Malhada não ouviam muito e se contentavam em apenas serem ordenhadas todos os dias, mesmo que as formas eram toscas.

Malhada não acreditava naquela passividade e tentava de todas as formas convencer suas amigas a não ficarem felizes com o Seu Zé, obrigando o dono do sítio, o Doutor Manoel Carlos, a trocá-lo por alguém mais disposto, mais feliz com sua ocupação e que faria jus a seu emprego. As meninas, entretanto, riam dela e falavam que não iria adiantar nada mostrar seu descontentamento para com quem estava agora no comando, pois de nada iria mudar nem adiantar. Malhada ficava desolada e sabia que sozinha era voto vencido. Não queria ir embora dali, pois gostava daquele pasto. Gostava da casa do sítio e das suas amigas que viviam com ela.

Tentou algumas explicações longas sobre como o serviço deveria ser, sobre como elas deveriam ser tratadas. Seus longos discursos só serviam para aumentar o sono das amigas, e muitas vezes elas preferiam nem ouvir, saindo de fininho quando Malhada começava a ladainha. Um belo dia chegou uma nova vaca no sítio, jovem ainda, chamada Jocasta. Suas idéias eram parecidas com as de Malhada, e ficaram muito amigas, discutindo assuntos que antes eram desanimadores para Malhada e agora despertava o interesse da nova moradora do sítio. Concordavam inclusive na escolha do novo ordenhador, que deveria ser feita. Jocasta sentiu o mesmo desafeto pelo Seu Zé, e ficou evidente para ela que ele não cumpria com suas funções, e ainda não tratava as vacas com o devido respeito. Agora eram duas vozes que queriam mudar. A esperança renasceu no coração de Malhada, com uma aliada forte que despertava o interesse das amigas. Fizeram o que fizeram e conseguiram convencer que deveria haver uma eleição. Aquele seria o primeiro passo para que todas pudessem votar em escolher ou não Seu Zé como funcionário do mês.

A campanha começou um mês antes das eleições. Malhada e Jocasta faziam muitas palestras para convencer todas as outras vacas em que era preciso uma mudança, era preciso avançar para o futuro e exigir seus direitos. Não queriam mais aquela vida torpe de destrato, de atrasos na ração, de horários tresloucados, e de todos os problemas que enfrentavam com o Seu Zé, que para elas já deveria ter sido mandado embora, porque elas sabiam e já tinham visto ele roubando o Doutor Manoel Carlos, levando um “por fora” em suas negociações com os produtos do sítio. O dia da votação chegou e todas estavam animadas. Todas votariam SIM ou NÃO para a permanência do Seu Zé. A vaca mais velha da turma, a dona Clotilde, seria a responsável pela contagem dos votos. Então, após alguns minutos de votação deu-se a contagem. Quantidade de NÃO: Dois votos. Quantidade de SIM: quatorze votos. Em branco: Sete votos. Malhada não podia acreditar. Ela e Jocasta ficaram perplexas. Somente as duas votaram NÃO! Aquilo era um absurdo. Teriam que conviver com Seu Zé por ignorância da maioria, que preferia não fazer nada a tomar as rédeas de suas vidas em benefício próprio. Abalada, Malhada se afastou e ficou olhando o horizonte, absorta em pensamentos. Jocasta se aproximou lentamente, sentindo também uma profunda derrota estampada na cara. Ficaram as duas ali desoladas e só restava a Malhada ir mesmo para a cidade, tentar uma vida nova, longe da casa que gostava, do sítio, das amigas. Não conseguiu convencer ninguém, que agora riam dela às escondidas, chamando-a de sonhadora. No final, soube que a vida consiste em fazer a sua parte, e que também todos sofriam pela decisão da maioria. No final das contas, eram todas gado.