
Malhada não acreditava naquela passividade e tentava de todas as formas convencer suas amigas a não ficarem felizes com o Seu Zé, obrigando o dono do sítio, o Doutor Manoel Carlos, a trocá-lo por alguém mais disposto, mais feliz com sua ocupação e que faria jus a seu emprego. As meninas, entretanto, riam dela e falavam que não iria adiantar nada mostrar seu descontentamento para com quem estava agora no comando, pois de nada iria mudar nem adiantar. Malhada ficava desolada e sabia que sozinha era voto vencido. Não queria ir embora dali, pois gostava daquele pasto. Gostava da casa do sítio e das suas amigas que viviam com ela.
Tentou algumas explicações longas sobre como o serviço deveria ser, sobre como elas deveriam ser tratadas. Seus longos discursos só serviam para aumentar o sono das amigas, e muitas vezes elas preferiam nem ouvir, saindo de fininho quando Malhada começava a ladainha. Um belo dia chegou uma nova vaca no sítio, jovem ainda, chamada Jocasta. Suas idéias eram parecidas com as de Malhada, e ficaram muito amigas, discutindo assuntos que antes eram desanimadores para Malhada e agora despertava o interesse da nova moradora do sítio. Concordavam inclusive na escolha do novo ordenhador, que deveria ser feita. Jocasta sentiu o mesmo desafeto pelo Seu Zé, e ficou evidente para ela que ele não cumpria com suas funções, e ainda não tratava as vacas com o devido respeito. Agora eram duas vozes que queriam mudar. A esperança renasceu no coração de Malhada, com uma aliada forte que despertava o interesse das amigas. Fizeram o que fizeram e conseguiram convencer que deveria haver uma eleição. Aquele seria o primeiro passo para que todas pudessem votar em escolher ou não Seu Zé como funcionário do mês.
A campanha começou um mês antes das eleições. Malhada e Jocasta faziam muitas palestras para convencer todas as outras vacas em que era preciso uma mudança, era preciso avançar para o futuro e exigir seus direitos. Não queriam mais aquela vida torpe de destrato, de atrasos na ração, de horários tresloucados, e de todos os problemas que enfrentavam com o Seu Zé, que para elas já deveria ter sido mandado embora, porque elas sabiam e já tinham visto ele roubando o Doutor Manoel Carlos, levando um “por fora” em suas negociações com os produtos do sítio. O dia da votação chegou e todas estavam animadas. Todas votariam SIM ou NÃO para a permanência do Seu Zé. A vaca mais velha da turma, a dona Clotilde, seria a responsável pela contagem dos votos. Então, após alguns minutos de votação deu-se a contagem. Quantidade de NÃO: Dois votos. Quantidade de SIM: quatorze votos. Em branco: Sete votos. Malhada não podia acreditar. Ela e Jocasta ficaram perplexas. Somente as duas votaram NÃO! Aquilo era um absurdo. Teriam que conviver com Seu Zé por ignorância da maioria, que preferia não fazer nada a tomar as rédeas de suas vidas em benefício próprio. Abalada, Malhada se afastou e ficou olhando o horizonte, absorta em pensamentos. Jocasta se aproximou lentamente, sentindo também uma profunda derrota estampada na cara. Ficaram as duas ali desoladas e só restava a Malhada ir mesmo para a cidade, tentar uma vida nova, longe da casa que gostava, do sítio, das amigas. Não conseguiu convencer ninguém, que agora riam dela às escondidas, chamando-a de sonhadora. No final, soube que a vida consiste em fazer a sua parte, e que também todos sofriam pela decisão da maioria. No final das contas, eram todas gado.
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